Virando o jogo
Por Renato Degiovani
Logo no início da década de 80, quando os microcomputadores pessoais viraram febre de consumo, não havia ainda um sistema consolidado de distribuição de software. A única forma do feliz proprietário de um computador doméstico ter acesso a programas mais sofisticados do que aquele que ele seria, em tese, capaz de criar era através das revistas mensais de informática.
Num primeiro momento (e por quase uma década) elas formaram o mais eficiente sistema de distribuição de programas, batendo inclusive os livros que, além de mais caros, tinham uma produção demorada demais para a dinâmica da revolução nas comunicações, que estava em curso.
Mas as publicações padeciam de dois problemas crônicos: o espaço para fontes era limitado (e caro) e o trabalho de digitação quase sempre desanimava os usuários. Surgiram então os meios de gravação, tal como os conhecemos ainda hoje: software gravado em uma mídia e distribuído para venda em pontos específicos (lojas, magazines, livrarias, etc).
O primeiro suporte usado foram as fitas K7, cuja gravação profissional disputava espaço nas gravadoras com os ídolos locais da música brasileira. Entre um disco da Simone e outro do Roberto Carlos, produzia-se um jogo genuinamente nacional, para distribuição em larga escala.
Os planos econômicos mirabolantes (86, 88, 90 e 94) colocaram por terra todo o esforço de montar aqui no Brasil um sistema de distribuição ágil, forte, robusto e principalmente que cobrisse a totalidade do território nacional. Tal como se tem uma distribuição eficiente para publicações impressas, seria necessário um sistema equivalente para software (e em especial para jogos) como mecanismo fundamental de combate à pirataria.
Com o surgimento da internet, em meados de 95 e 96 já se preconizava que o sistema de distribuição via download seria a salvação de um mercado insípido, inodoro e frágil como o nosso, pois resolveria dois problemas cruciais: o preço final dos produtos e uma agilidade na distribuição até então desconhecida no meio. Seria o paraíso na terra, não fosse por duas questões não resolvidas (e lá se vão 10 anos): o dinheiro eletrônico ainda não existe e a idéia de que na mãe de todas as redes tudo tem que ser gratuito (e bom).
O dinheiro eletrônico é de longe o maior dos problemas, porque a falta dele praticamente inviabiliza transações comerciais de baixo valor. Por exemplo: se o CD da Adriana Calcanhoto, com 12 músicas custa R$ 14,90 (no Submarino), é de se supor (para efeito de raciocínio) que cada uma delas custe, portanto R$ 1,24. Seria bem menos que isso, se tirássemos os custos da embalagem. Mas, tente comprar uma música apenas e verá o problema que isso gera. Só de boleto bancário seriam acrescidos por volta de R$ 2,00.
Existem sistemas alternativos que contornam esse problema, mas são paliativos que podem ou não ter eficiência e que só serão usados enquanto o dinheiro eletrônico de verdade não for finalmente inventado. Quem prega aos quatro ventos que o problema da pirataria no Brasil está relacionado ao preço dos jogos, deveria ajudar muito neste debate. Ainda que tivéssemos jogos custando R$ 1,00 no sistema de venda por download, não teríamos como processar essas vendas de forma eficiente a ponto de reverter a situação.
Já o segundo entrave, a "gratuidade obrigatória", só será combatido com um esforço monumental de conscientização, pois a idéia em si é inegavelmente tentadora - afinal, quem dentre vós não gostaria de ter tudo grátis, desde o pãozinho matinal quente até a eliminação total e absoluta de todos os impostos? Eu quero.
O maior problema com o conceito do tudo grátis é que a ele foi acrescentada a noção equivocada de uma qualificação positiva: "o programa é muito bom, principalmente porque é grátis". Lemos isso o tempo todo, em todos os lugares e as pessoas não se dão conta de que ser gratuito não define qualidade, mas apenas determina um modelo específico de distribuição (nem bom, nem ruim).
A idéia, já amplamente debatida nos meios produtivos, de que a venda de jogos por donwload seria (talvez) a única salvação possível para o nosso mercado começa a ganhar força. Mesmo que existam ainda algumas pessoas com uma fé inabalável no modelo tradicional, este já vem dando provas de que, num pais de dimensões continentais como o nosso e com a concorrência da internet, não há como ele ir para frente e se desenvolver. No máximo teremos uma morte lenta (e sofrida) deste mecanismo.
No entanto, esse jogo de distribuição eletrônica precisa ser jogado com muito mais seriedade e profissionalismo do que vem sendo jogado até hoje. A produção nacional precisa sair da posição acanhada e medrosa que ela assumiu a partir do último grande plano econômico (94) e forçar a sua consolidação.
Estamos perdendo terreno rapidamente para os estrangeiros por pura incompetência administrativa, gerencial e principalmente conceitual. O problema com os jogos brasileiros nunca foi técnico ou de qualidade, mas de atitude mercadológica.
Ou viramos esse jogo a nosso favor, ou vamos ter cada vez mais personagens com olhos esbugalhados dominando o gosto dos nossos jovens.
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Renato Degiovani é Programador Visual e Desenhista Industrial, formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É autor e produtor de jogos para computador desde 1980. Foi diretor técnico e editor da primeira revista brasileira de informática, a Micro Sistemas, nas décadas de 80 e 90. Atualmente é o editor e produtor do site TILT online e escreve para diversos sites na internet.
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